Bom, tomei vergonha na cara e resolvi postar desde o começo a série, então… aqui vai o primeiro!
E capitão… para de ser punheteiro!
ENTRADA 99__97 – ESPÉCIME HUMANO CHARLES SNIPPY – ID PESSOAL 04477645
Para qualquer um que achar este cartão de memória em meu dente e as mensagens nele contidas…
Meu nome é Charles Snippy. provavelmente sou o último humano mentalmente são que sobrou na terra. Não sei se você conseguirá entender esta mensagem. Não sei nem se você será capaz de entender os uns e zeros deste cartão de dados.
Eu não sei se minha voz alcançará alguém.
Eu não sei se as microscópicas peças durarão o bastante, se as peças de metal e plástico não se desintegrarão em pó enquanto séculos se passam ou se a capa de titânio os encapsulando se manterá no lugar ou será consumida pela paisagem sempre em mudança… perdendo-se para sempre.
Se você ainda for humano, então esta será a história sobre o colapso da civilização de seus antigos pais pela ganância e arrogância.
Se você for de alguma espécie completamente diferente, então esta será a história sobre como nossa raça humana foi extinguida pela indiferença quanto ao balanço da eco-esfera planetária que nos deu vida ao longo de nossa linha de evolução.
Minha vida inteira está selada nos confins deste cartão, na forma de entradas em um diário que começam no dia em que o robô dental do Diretório abriu meu dente e dolorosamente enfiou este cartão com promessas de “Será uma recuperação apenas um tanto dolorosa”.
Eu estive narrando minha vida para mim mesmo como um exercício recomendado a muito tempo atrás por um “psicólogo online” como uma maneira de manter minha sanidade mental em “situações de muito stress”.
Porquê a sanidade deve ser mantida? Você pode se perguntar.
Bom…
Minha sanidade é o fator que constantemente tem sido empurrado para o lado devido ao meu absolutamente insano amigo.
Meu amigo, é claro, é O Capitão.
Quem é O Capitão? Deixe-me contar a vocês sobre O Capitão…
…onde começar?
Bom, esta manhã O Capitão descobriu um par de binóculos e dedicou sua manhã inteira à “GRANDE ARTE DE ABELHAR MULHERES”.
Achar comida não vencida e não radioativa?
Não! Abelhar mulheres por horas a fio é definitivamente mais importante que objetos de sobrevivência!
De começo eu tentei argumentar, porém quando O Capitão me deu um caderno lotado de “REGRAS DE COMO ESPIAR PARA CAVALHEIROS”, eu decidi encarar a situação com sarcasmo.
Eu dei uma olhada no caderno, é claro, para achar um pedaço de papel colado com o seguinte:
PASSO 1: USE SUA MAIS CHIQUE CAMISA BRANCA E CALÇÃO.
PASSO 2: ADQUIRA UM BINÓCULO.
PASSO 3: LOCALIZE O OBJETO A SER BISBILHOTADO.
PASSO 4: BIS-BI-LHO-TE.
PASSO 5: FAÇA O COMENTÁRIO APROPRIADAMENTE CAVALHEIRÍSTICO À SUA MOÇA DESEJADA.
PASSO 6: IGNORE DISTRAÇÕES INSOLENTES.
Onde O Capitão mantém a clássica máquina de escrever que apenas digita em rabiscadas e extravagantes letras maiúsculas? Eu nunca consegui saber.
Depois de várias horas assistindo O Capitão conversar com a moça da placa de propaganda, eu mencionei que “Ela nem é um ser humano, sabia… você está falando com um desenho. Ela não pode te responder”.
Para minha surpresa O Capitão respondeu “Hmm… izzo é de vato é um zituassão divícil que requerr rezzolussão imediata. Elemento veminino você dizz? Ezzte deverá zer procurado IMEDIATAMENTE!” Dito iste, o capitão virou 90 graus e apontou seu binóculo diretamente para mim.
Eu me perguntei quanto tempo O Capitão ficaria me olhando daquela forma e se isso era uma melhora em relação à situação anterior.
“Zzim… izzo dará…”, foi a última coisa que ouvi antes de algo como um saco de batatas tão duras quanto pedras me acertar atrás da cabeça e tudo ficar escuro.
—
Acordei em uma horrível e desconfortável posição vertical, amarrado à placa de propaganda. Metade de minha visão estava obscurecida pelo que parecia uma peruca rosa. O resto de minha visão era de prédios, nuvens chuvosas e o chão cheio de neve muito abaixo.
“Argh! Que isso?!” Eu disse tentando sacudir a peruca de minha cabeça.
Bem distante, eu vi o roxo cintilar do binóculo.
Ouvi O Capitão gritar algo que soou como “Ezztá melhor?” para mim.
“Maldito seja!” Xinguei em meio à minha respiração e tentando me agitar para livrar-me de minhas amarras.
Vamos apenas dizer que isto foi uma terrível ideia, porque meus movimentos não me fizeram escapar, mas de fato fizeram com que os enferrujados suportes da placa de propaganda quebrassem, colapsando toda a estrutura.
Com um guincho apavorante, a placa de propaganda, junto comigo, separou-se da estrutura de metal e por quarenta andares despencamos.
Eu perdi a conta de quantas vezes cima se tornou baixo enquanto a placa virou e desvirou caindo e batendo em inúmeros balcões, torcendo-se, balançando-se e perdendo pedaços de metal e plástico.
Eu vi o chão se aproximando.
Quando estava pronto para encontrar minhas muito trágicas, potencialmente espirrantes e quebradoras de ossos consequencias, a placa bateu contra outro balcão e repentinamente se tornou plana comigo virado para cima, planando no ar.
Não houve mais barulho de batidas, apenas o assobio do ar.
Eu imaginei que que a placa devia ter pego uma corrente ascendente de ar, se tornando uma imensa pipa.
Eu vi o céu navegando acima de mim por alguns minutos antes da placa se chocar com o chão, cavando no gelo e cortando minhas amarras e me arremessando em um monte de neve.
Fazendo um anjo na neve enquanto tentava me levantar e caindo devido à tontura, eu vi a figura do Capitão ao meu lado.
“NOVE PONTOS!”, ele disse.
“O que há de errado com você?!”, gritei. “Porquê você…?”
“Vozzê perdeu um ponto por não sorrirr em seu sexto virada”, respondeu O Capitão. “Atletas mau-humorados pegar zegundo lugarr, zabia?!”
Eu não sabia se ria ou estrangulava O Capitão. Eu escolhi o primeiro porque… porque não? Em um mundo radioativo onde não há nada para se perder ou ganhar e sua casa não tem telhado, ser uma pipa humana é meio… talvez apenas um pouco… cômico?
A moral do dia é que aprendi a definitivamente NÃO brincar com as conversas do Capitão com objetos inanimados.