https://livingafterworld.wordpress.com/2013/07/21/diario-de-um-infectado-parte-12/ (Diário de um Infectado. parte 1/2)
Olhei para trás com uma grande expressão angustiante de dor por conta da minha perna ferida. Debrucei-me na porta enquanto encarava os mortos vindo em minha direção. Não tinha idéia do que fazer. Machucado, em perigo e assustado. Estava completamente desarmado e um pouco indefeso pela ferida. Nem armas brancas havia. Minha garganta estava seca. Percebi que engolir saliva estava doendo. Agora a dor de garganta se aliava a uma tonteira que revelava febre em mim só para eu me ferrar de vez. Deus estava brincando comigo, precisava de alguma solução.
Vontade de arrancar a perna não faltou, mas eu precisava dela para correr. Além disso eu poderia chutar. Foi o que fiz. Com a perna boa pude golpear 2 zumbis com 2 bons golpes em seus quadris que os derrubaram. O segundo morto bateu em outros 2 e eles se desengonçaram numa dança cômica e confusa que resultou na queda do grupo. Que dor, merda. Forçar a perna machucada definitivamente não era a melhor idéia que eu já tive na vida. Pelo menos tive espaço para correr até outro lado numa porta avistada pela sorte no momento. Esta estava aberta e dava para um corredor gigante.
A perna machucada doía cada vez mais, provavelmente de tanto estar forçando a musculatura da região mordida. Ao fechar a porta e correr pelo corredor, tropecei no meio do caminho e lá fiquei deitado por uns 10 segundos tentando me recuperar da dor e tontura. Nesse momento eu tossia sem parar. Não podia simplesmente permanecer ali, precisava estar em sossego e descansar para, após melhorar, enfim, continuar procurando o meu filho. Levantei e fui parar numa sala grande com uma mesa enorme, de reunião, eu acho. Uma pintura enorme de Jesus na cruz enfeitava a parede dando um aspecto espiritualmente positivo para o ambiente mesmo nesse caos apocalíptico.
Deitei na mesa com dificuldade e passei a mão na ferida. Meu deus, como doía. Fui levantar e não consegui. Febre, dor de garganta e dor de cabeça. A respiração estava ofegante e meus olhos bem abertos olhavam o teto, mas sem prestar atenção nele. “Será que eu estou morrendo?”, pensava. Raciocinei rapidamente sobre toda essa porcaria que a minha vida havia se tornado e no fato de que eu não posso, em hipótese alguma, morrer sem antes encontrar o meu filho. Mas que droga, estar nesse estado numa situação dessas não era o meu merecido. Achei que tivesse sorte por estar num local sagrado. Talvez seja melhor esperar meu filho aparecer milagrosamente, e vivo de preferência.
Meu corpo pedia para apagar de novo, mas não poderia me dar ao luxo visto que havia zumbis que sabiam da minha existência no recinto. Eu precisava do meu filho para me confortar. Se eu morrer sem vê-lo vai ser muito triste. Um fim de vida mais patético é impossível.
Enzo, vi aqueles filhos da puta te pegarem, mas eu me recuso a ter esse fim também. Arranjei forças, com muito custo, para levantar e sair da mesa. Não havia outra porta para entrar que não seja a de onde vim. Droga, eu precisava passar pelos andarilhos novamente. Fiquei na dúvida se era melhor permanecer ali e correr o risco de ser cercado ou se saía da sala podendo ser pego de vez pelos mortos.
Batia a dúvida aliada ao mal estar supremo que ficava cada vez pior no meu interior. Comecei a sentir com mais verdade e convicção que poderia morrer ali, por infecção da mordida ou pelos próprios mortos. Para mim era claro que a ferida infeccionou. Sim, a infecção. Lembrei da desconfiança do Enzo. Ele considerava a possibilidade de eu virar um desses corpos podres e andantes, mas eu não achava ser possível, não até então. Com tudo que ando sentindo percebo que posso estar mesmo passando por isso. Antes Enzo tivesse me atirado, maldito. Nem para isso serviu.
Que lindo, eles arrombaram a porta e agora virão até aqui. Sim, eu fico irônico quando vejo que as coisas estão fodidas de vez. Posso vê-los lá no fundo vindo até mim. É o fim. Penso em golpeá-los a fim de fugir, mas no primeiro passo eu caio no chão já nem vendo as coisas direito. Visão turva que não reconhece mais o ambiente. Ok, confesso, eu sempre soube que estava infectado, mas não podia confessar isso para mim mesmo. É vergonhoso, mas agora já era, foda-se o mundo então. Eu, em breve, pertenceria ao mundo dos mortos. Um vacilo ridículo me levou a isso e, portanto, eu sabia que merecia.
Os mortos chegavam até mim e eu já levantava com uma força sobrenatural originária do desespero mesmo sem ver muita coisa. As pernas tremiam como se eu fosse muito pesado para elas. Ao chegarem mais perto, pude golpear um deles no rosto. Ouvi o barulho da queda. Estava lutando quase às cegas. Mesmo sem vantagem alguma acabo me recusando a ser mordido mais uma vez. Outro vem para cima de mim e eu caio no chão com ele. Aquela boca aberta babando e o bafo de defunto não me eram muito convidativos, mas eu sou resistente, apesar de tudo. Golpeei com uma das mãos a sua bochecha e ele caiu para o lado enquanto já me levantava. Observei várias imagens manchadas vindo até mim. Era o máximo que a minha visão me permitia observar. A tonteira ficou mais forte, muitos movimentos bruscos me fizeram mal. Boto a mão na cabeça querendo deitar, mas não posso.
Com a cabeça doendo mais que a própria mordida na perna, corri como que num último suspiro entre eles e consegui passar. Que bichos lerdos. Mas perdi as forças e caí no meio do caminho. Eles se viravam contra mim novamente. Já era. Além de não ver quase nada, eu tossia sem parar de novo, a cabeça latejava como se martelassem em meu interior, a garganta já não me deixava engolir saliva e a respiração estava difícil. Estava me arrastando no chão com muita dificuldade sabendo que era em vão, pois o orgulho de ser superior a essas coisas horríveis era muito maior do que a minha própria capacidade, além de existir a vontade de encontrar o meu filho.
Que Jonas esteja vivo. É o máximo que posso fazer, desejá-lo o melhor. De repente, tiros e mais tiros. Não tenho nem forças para tomar um susto. Só ouço os acéfalos caindo. Ao olhar para trás os vejo imóveis no chão.
Alguém se aproxima de mim. – Pai? – Não, não é possível. Não pode ser o meu garoto, ele nem sabe atirar. Estava tendo alucinações. Sinal de que a morte me chamava com mais força. Sinto que o garoto me toca e ouço som de choro. – Jonas, nã…o pod…e ser, imp…osív…el. – eu não podia mais falar com clareza e seu choro só aumentava com isso. Ele me disse coisas que não pude entender. Além da visão a audição começava a ficar comprometida também. Pude sentir a boca cada vez mais seca e não tinha mais muita noção de nada em volta. O mundo havia se tornado uma mancha feia e quase totalmente escura, ou uma cortina parecia estar na minha frente. Eu olhava com dificuldade para frente sem ao menos poder prestar atenção, só lamentava mentalmente.
O meu filho se levanta e vai embora após proferir as palavras que nunca vou saber o que são. Nem sei se isso aconteceu de verdade. A única certeza é de que morri. Ou quase isso. Sei disso porque quando ele foi embora me levantei e andei em direção ao fim do corredor de onde eu vim, mas bem devagar. Estava morto.
Sim, esses merdas me derrotaram, mas até que no fim, pensando bem, não achei tão ruim. Meu nome não foi revelado em momento algum por absoluta vergonha ao que me aconteceu nos últimos tempos. Quero, com a minha história, servir de exemplo para futuras gerações. Não importa o quanto você esteja preparado. Se, nesse novo mundo, houver distração em algum momento será fatal.
Reparei que após estar tanto tempo entre eles, já posso dizer até que seus cheiros me geram simpatia. É o costume. Eles já entram pelas minhas narinas como se fossem visitas íntimas, nem sinto que estão ali. Entretanto, esse fluído podre dos andarilhos encardidos e em decomposição ainda são repugnantes para os vivos.
Essa foi a minha história. Agora, mais de 1 mês depois, encontro-me, ainda, na enorme igreja católica da cidade que está de pé e intacta, mas com vários outros seres irracionais em volta e em seu interior. Eu fico caminhando ali dentro sem rumo com alguns amigos mortos por perto, as vezes esbarrando em alguém sem a mínima educação de se desculpar. Como todo bom e velho homem cristão, foi um ótimo lugar para começar a minha nova e, talvez eterna, vida/morte no novo mundo.
Jonas, caso você tenha sido uma alucinação naquela hora e ainda esteja vivo, não cometa o erro de me procurar, muito menos me espere. E boa sorte, filho.